TEMPO DE DEVASTAÇÃO

Publicada em 24 de maio de 2024

Novo artigo de nosso sócio Diretor, Dr. Olindo Barcellos da Silva, publicado no Jornal Gazeta Mineira do dia 24/05/2024

“…todas essas tempestades que acontecem conosco são sinais de que em breve o tempo acalmará; porque não é possível que o bem e o mal durem para sempre, e segue-se que, havendo o mal durado muito tempo, o bem deve estar próximo” Miguel de Cervantes, em Don Quixote de La Mancha

Mais de 80 anos depois da tristemente lendária enchente de 1941, as águas embaladas pelas chuvas voltaram a se rebelar.  Desta vez, chegaram aonde nunca tinham ido, com uma força nunca vista. Destruíram cidades e humilharam a engenharia dos homens, rasgando estradas e derrubando pontes. Carregaram memórias e tudo que alguns tinham demorado uma vida para amealhar. De outros, muitos, levaram consigo a vida, enlutando lares. Desde muito novo, criança ainda, o Jacuí me maravilhou. Não apenas porque é “o rio da minha aldeia”, como no poema de Fernando Pessoa, mas pela sua exuberante beleza natural. Não dá para dizer que estamos de mal, eu e o rio, mas nossa relação passa por um estranhamento. Isto que meu ambiente de trabalho e minha casa não foram atingidos. Mas é muita tristeza! Vivemos um trauma coletivo.

Após o grande terremoto de Lisboa, em 1755, o Marques de Pombal proferiu a célebre frase “vamos sepultar os mortos e cuidar dos vivos”. É isto que precisamos fazer. A reconstrução do Rio Grande passa, necessariamente, pelos poderes públicos estadual e federal, com seus programas e, especialmente, suas verbas. Apenas a iniciativa privada não tem condições de reconstruir o estado e sua economia num curto período. Se é que vamos conseguir fazê-lo no médio prazo. De estradas e pontes até prédios comerciais e casas, passando por empresas e empregos, há muito a ser feito.

Uma das questões mais importantes que precisamos enfrentar é refazer o que tínhamos ou construir algo novo? Isto vale para residências, obras públicas e para negócios. Reconstruir a casa aonde a água chegou ou buscar outro local? Refazer as estradas e pontes da mesma forma como foram construídas (e destruídas) ou prever a força da natureza, que pode ser criativa ou destruidora? Retomar os negócios no mesmo lugar e com a mesma modelagem ou buscar criar outras opções para localização e forma de tocar as empresas? Os temas são muitos, importantes e, às vezes, profundos. Desafiam nossa criatividade e capacidade de planejamento, enquanto corremos atrás de recursos que garantam a sobrevivência, trocando o pneu com o carro andando.

Para uma geração que, em menos de cinco anos, passou pela desgraça da pandemia e agora pela devastação das cheias, parece que a única certeza do momento é a necessidade de repensar a relação das cidades com a natureza.