SOCIEDADE DE CASTAS

Publicada em 5 de dezembro de 2023

Novo artigo de nosso sócio Diretor, Dr. Olindo Barcellos da Silva, publicado no Jornal Gazeta Mineira do dia 01/12/2023

Esta semana circulou nas redes sociais e grupos de whats um vídeo onde a juíza KIismara Brustolin, em audiência na Vara do Trabalho de Xanxerê-SC, aos gritos e com visível descontrole emocional, adverte um depoente que o tratamento de doutora não era suficiente e que deveria respondê-la dizendo “o que a senhora deseja Excelência”. Acrescentou que se o depoente assim não fizesse, seu depoimento encerraria e seria desconsiderado. Logo em seguida, a OAB enviou ofício ao Tribunal Regional do Trabalho daquele estado, que decidiu pela imediata suspensão de realização de audiências pela magistrada e abriu procedimento para investigação da ilegalidade. Em quarenta anos de advocacia, já vi muita coisa, mas a cena é estarrecedora. No curto vídeo, em torno de dois minutos, surpreendentemente, não vi advogados esboçarem reação. Talvez surpresos e incrédulos com o destempero da magistrada. Talvez. É preciso que se diga não ser este o comportamento usual de magistrados. O problema é da maneira como as pessoas (des)consideram e tratam quem julgam estar em posição inferior. Em Brasília, na última segunda-feira, um perito da justiça ameaçou um entregador de comida por aplicativo que não subiu até seu apartamento para entregar o pedido. Dizendo-se juiz, disse que iria “acabar com a vida” do pobre entregador, segundo o portal de notícias G1. É o comportamento de um celerado. Ambos, juíza e perito, imaginam viver numa sociedade de castas.

A superação da sociedade de estamentos foi concretizada a partir da ascensão do ideário liberal, notadamente através da Revolução Francesa, cujo lema era “liberdade, igualdade, fraternidade”. Até então, a sociedade estava separada por camadas ou estamentos: clero (primeiro estado), nobreza (segundo estado), burguesia e camponeses (terceiro estado Norberto Bobbio, evidencia o fim do regime estamental e a ascensão do conceito de cidadania, sob a influência do liberalismo, quando sustenta que “a passagem do estado estamental para o Estado liberal burguês fica claro para quem examina o Código Prusssiano de 1794, que contempla três estamentos em que se divide a sociedade civil (camponeses, burgueses e nobreza), e o Código Napoleônico de 1804, onde só existem cidadãos” . É verdade que “ao afirmar que os cidadãos eram livres e independentes, queriam dizer com isso que eram dependentes e não livres os que não possuíssem propriedade privada. Estavam excluídos do poder político, portanto, os trabalhadores e as mulheres, isto é, a maioria da sociedade”, como bem lembrou Marilena Chauí, séculos depois. Ainda assim, ninguém nega o enorme avanço da superação da sociedade de camadas.

Os dois fatos demonstram que alguns ainda têm saudades da escravidão ou pensam viver num inexistente mundo de castas, onde a única finalidade das pessoas é servi-los. Triste, muito triste. E pensar que estas pessoas daqui a um mês, na passagem do ano, estarão de branco desejando luz, paz e harmonia para a humanidade.