O FETICHE DA REPÚBLICA

Publicada em 12 de abril de 2024

Novo artigo de nosso sócio Diretor, Dr. Olindo Barcellos da Silva, publicado no Jornal Gazeta Mineira do dia 22/03/2024

Fetiche, sabemos todos, é um substantivo masculino que pode ser definido como “Objeto a que é prestada adoração ou que é considerado como tendo poderes sobrenaturais” ou mesmo como “objeto ou parte do corpo ou tipo de comportamento que prova excitação sexual”. Pois no momento atual, parece que todas as forças e poderes da República querem avocar para si a condição de “Poder Moderador”. O ministro Dias Toffoli, no ano de 2021, em palestra no 9º Fórum Jurídico de Lisboa, em Portugal, em mais uma declaração infeliz, já disse em palestra que o Brasil vive um semipresidencialismo e o STF é o Poder Moderador da República. Em decisão recente do STF, agora desta semana, o tribunal decidiu por unanimidade que as Forças Armadas não exercem um poder moderador.

Na história constitucional brasileira, o Poder Moderador só existiu na Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824. Parece ter deixado saudades. No art. 98, a Constituição do Império, que vigorou até 1.891, dizia que “O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos” (a grafia é original). Nos artigos seguintes, a Constituição dizia que o “a pessoa do Imperador é inviolável e sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma” (também grafia original). O imperador era considerado “por direito próprio” o representante da nação e podia dissolver o Poder Legislativo, negar sanção às leis e decretos, suspender juízes, perdoar penas e conceder anistia. Bóris Fausto, na sua obra clássica “História do Brasil”, já ensinara que “A primeira Constituição brasileira nascia de cima para baixo, imposta pelo rei ao povo, embora devamos entender por ‘povo’ a minoria de brancos e mestiços que votava e que de algum modo tinha participação na vida política”. Isto porque em 12 de novembro de 1823, d. Pedro I mobilizou tropas do Exército, cercou a Assembleia Constituinte e anunciou a sua dissolução. Isso aconteceu, principalmente, porque o imperador não aceitou ter seus poderes limitados pelo Legislativo. A Constituinte foi encerrada, e alguns deputados foram obrigados a se retirar do país. Após dissolver a Constituinte, d. Pedro I formou um conselho com pessoas próximas a ele, e uma nova Constituição foi elaborada. Essa Constituição foi outorgada, leia-se imposta, em 25 de março de 1824, sendo oficialmente a primeira Constituição do Brasil enquanto uma nação independente. Essa Carta concretizou a vontade de d. Pedro I de manter poderes irrestritos.

Passados cento e trinta e cinco anos do final do império e da Proclamação da República, o exercício do Poder Moderador, que só existiu na Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824 parece vivo, um fetiche como ardente desejo daqueles que, não contentes com a divisão de poderes pretendem a esta se sobrepor, o que só demonstra a fragilidade de nossa cultura para a democracia, ainda que, paradoxalmente, estejamos vivendo, desde 1985, o maior período democrático da história do país.