A simbologia do “capinha”

Publicada em 1 de julho de 2024

Novo artigo de nosso sócio Diretor, Dr. Olindo Barcellos da Silva, publicado no Jornal Gazeta Mineira do dia 28/06/2024

Dia destes precisei assistir por vídeo a um julgamento no STF e me chamou a atenção que os ministros da Côrte ainda têm auxiliares que puxam as poltronas para que os magistrados sentem. Antes disto, estes auxiliares ajudam as Excelências a colocarem as togas. Primeiro, achei graça, pelo anacronismo e pela falta de sintonia com os tempos atuais. Logo, o riso se tornou amargo, porque a situação retrata como num tribunal que deve(ria) zelar pela igualdade, o claro simbolismo é de cidadãos de categorias diferentes, Deuses e mortais, nobres e plebeus, superiores e inferiores.

Um símbolo é aquilo que, por convenção ou por princípio de analogia formal ou de outra natureza, substitui ou sugere algo. A sugestão aqui é de que os ministros são seres superiores, que dispõem de pessoas para lhes ajudar a colocar a toga e puxar a poltrona. Desnecessário, para dizer o mínimo.

Estes servidores do Supremo Tribunal Federal são os famosos “capinhas”. Vestem terno, gravata, uma capa de cetim preto que cobre metade das costas e organizam os livros em pequenas estantes no plenário, carregam documentos e votos, providenciam cópias de pareceres e petições, servem água e café, e ajudam os Deuses, digo ministros, a vestirem suas togas e puxam as poltronas para as Excelências. O salário de um “capinha”, por todas estas atividades altamente especializadas e estafantes, pode ultrapassar R$ 15 mil por mês, sem contar as horas extras. Que país!

Jessé de Souza, é um sociólogoadvogado, professor universitário, escritor e pesquisador brasileiro que atua nas áreas de Teoria Socialpensamento social brasileiro e de estudos teórico-empíricos sobre a desigualdade e as classes sociais no Brasil contemporâneo. Entre outras obras, Jesse escreveu  “A Elite do Atraso”, onde argumenta como a escravidão no Brasil formou e caracterizou a sociedade brasileira. Segundo o autor “O nosso berço é a escravidão, que não existia em Portugal a não ser para os muito ricos. Não era fundante, era marginal, nunca foi mais de 5%, enquanto nós fomos montados nela”. Abstraindo algumas bobagens e mantras da extrema esquerda, como a de que a “operação lava-jato veio para destruir a indústria nacional”, a obra traz uma interessante visão sobre a formação social do Brasil a partir da escravidão, divergindo de autores consagrados nesta área como os excelentes Sérgio de Buarque de Holanda (pai do Chico) e seu clássico “Raízes do Brasil” e Raymundo Faoro, com seu também clássico “Os Donos do Poder”.

O fato é que, quando percebi novamente que o STF tem servidores cujas atribuições também são auxiliar os ministros a colocarem suas togas e puxarem as poltronas para as Excelências, lembrei imediatamente da “Elite do Atraso” e da nefasta herança escravocrata, incrustada até no mais alto tribunal do país.