Quais os inimigos?

Publicada em 9 de agosto de 2021

Novo artigo de nosso sócio diretor, Dr. Olindo Barcellos da Silva, publicado no Jornal Gazeta do dia 06/08/2021

Humberto Eco, falecido em 2016, foi filósofo, medievalista, semiólogo, crítico literário, ficcionista e midiólogo. Sem dúvida um dos intelectuais mais influentes da segunda metade do século XX e início do século XXI.

No Brasil foi impresso e publicado este ano seu livro “Construir o inimigo e outros escritos ocasionais”. São artigos, palestra e conferências que o autor proferiu nos últimos anos de sua vida. O primeiro destes textos é, justamente, “Construir o inimigo”, onde sustenta que “Ter um inimigo é importante não somente para definir a nossa identidade, mas também para encontrar o obstáculo em relação ao qual medir nosso sistema de valores e mostrar, no confronto, o nosso próprio valor”. Assim, sustenta o autor que tanto nações como pessoas têm inimigos.

Tomando o título, mas derivando um pouco do tema, surgiu a inquietação sobre quais inimigos, como nação e mesmo na região onde vivemos temos escolhido.

Nestes tempos tão belicosos, onde uma discordância parece vir contraposta por uma ofensa, qualquer que seja o lado ideológico que se vislumbre, penso alguns consensos. A pandemia parece evidente ser o inimigo mais urgente e não há qualquer justificativa para ausência de união do país a este combate. Mas há muitos outros. A extrema pobreza que se abate sobre parcela significativa da nossa gente, um sistema de ensino de má qualidade, a violência urbana e a privação da grande maioria da população de saneamento básico. Todas estas questões aumentam a brutal desigualdade social e econômica no país e podem e dever ser eleitas como inimigos primordiais da nação. Que se releguem os debates ideológicos e as disputas políticas (ambos necessários) a um segundo plano e se comece usando numa operação de guerra os quase seis bilhões que o Congresso havia destinado ao Fundo Partidário.

Também na região, o combate à transferência do Arsenal de Guerra de General Câmara para Santa Maria, o asfaltamento dos 5km que faltam entre Arroio dos Ratos e São Jerônimo, a eterna ponte São Jerônimo – Triunfo, o Presídio Federal de Charqueadas, o precário estado da RS 401, a atração de empregos são dificuldades que podem ser apontadas como inimigos, reclamando a união de todas as autoridades, partidos, clubes de serviços e forçar representativas da sociedade de todos os municípios. Eleitos os inimigos, eventual sucesso seria da região, de modo coletivo, e não teria um “pai” ou uma “mãe”.

Reconheço que pode haver, na ideia, alguma falta de malícia, falta de argúcia, e alguma ingenuidade. Mas, os benefícios não seriam tão exuberantes e para fruição de todos. Também me parece muito melhor e mais produtivo do que, respeitando todas as posições, ficarmos chamando uns aos outros de fascista e genocida ou ladrão e chefe de quadrilha. Afinal, neste debate, já pensaram o que restará do país se todos estiverem certos?