MERITOCRACIA

Publicada em 2 de maio de 2022

Novo artigo de nosso sócio diretor, Dr. Olindo Barcellos da Silva, publicado no Jornal Gazeta do dia 29/04/2022

Um tema é instigante e atual é a meritocracia. Descubro que meritocracia é uma palavra formada por “mereo” (ser digno, ser merecedor) e o sufixo grego “kratos” (poder, força). É o alcance do poder através do merecimento. Mas esta é apenas a expressão literal do termo. O sentido que se tem dado é o de que os méritos devem pertencer a quem mais se dedica e se esforça. Não é assim! A idéia é muito simplista e “mascara” uma grande quantidade de variáveis que devem ser levadas em conta. Esforço e dedicação idênticos, por exemplo, não garantem o mesmo “pódio” na chegada a competidores que têm pontos de partida muito diferentes. Nem mesmo àqueles que têm o mesmo ponto de partida.

Segundo Jo Littler, socióloga da Universidade de Londres, autora de “Contra a meritocracia: cultura, poder e mitos da mobilidade” a ideia de meritocracia “é utilizada para que um sistema social profundamente desigual pareça justo quando não o é”. A pandemia escancarou esta diferença. Quando as escolas fecharam e o ensino passou a ser à distância, alunos de classes mais abastadas assistiam aulas em confortáveis quartos exclusivos, com ar-condicionado, em computadores de última geração e internet ultrarrápida. Outros, menos aquinhoados, não podendo frequentar a escola se viram privados de sua mais substancial refeição, não raro a única garantida no dia, que dirá internet e equipamento adequado. Esta é a gigantesca diferença do ponto de partida de uns e outros.

Claro que existem diferentes aptidões, inteligências e talentos. Há estudos demonstrando que existem 7 tipos de inteligência: espacial, físico-cinestésica, interpessoal, intrapessoal, linguística, lógico-matemática e musical. O grande jogar argentino Messi, não teria futuro como jogador de basquete e João Gilberto, o pai da bossa-nova, tiraria zero ou um pouco mais do que isto em relações interpessoais. Aliás, a Bíblia, em Mateus 25:14-30, traz a conhecida “Parábola dos Talentos”, onde, resumidamente, um homem que, ao sair de viagem, chamou seus servos e confiou-lhes os seus bens. A um deu cinco talentos, e a outro um; a cada um de acordo com a sua capacidade. O que havia recebido cinco talentos saiu imediatamente, aplicou-os, e ganhou mais cinco. Também o que tinha dois talentos ganhou mais dois. Mas o que tinha recebido um talento saiu, cavou um buraco no chão e escondeu o dinheiro do seu senhor. Então, ainda que as condições iniciais fossem as mesmas, e no Brasil escandalosamente não são, o ponto de chegada nunca será o mesmo.

Há diferenças que não podem ser atenuadas, como as que existem na mesma classe sócio-econômica e outras que devem ser atenuadas, como as de pessoas de diferentes classes. O que pode e deve ser feito é garantir que todos tenham pelo menos uma condição equilibrada de partida, através de políticas públicas que garantam escola, alimentação e saúde decentes. Não há dinheiro para tudo? Pode ser verdade, mas também podemos estabelecer novas prioridades, a começar pelos 5 bilhões de reais destinados aos partidos políticos, através do fundo eleitoral.