GOURMETIZAÇÃO

Publicada em 24 de janeiro de 2022

Novo artigo de nosso sócio diretor, Dr. Olindo Barcellos da Silva, publicado no Jornal Gazeta do dia 21/01/2022

Os tempos em que vivemos estão curiosos, sob vários aspectos. O que tem me chamado a atenção é o que denomino (deve haver outra expressão mais ajustada) de “gourmetização” de produtos que, ao mais das vezes são comuns. Basta que se adicionem expressões como “gold”, “premium”, “prime” ou “artesanal” para que os produtos simples já passem a gozar de novo status na apreciação dos potenciais consumidores. Naturalmente, como o proporcional acréscimo ao preço, que nem sempre significa valor agregado, nem qualidade superior.

Veja-se o caso dos vinhos que, há um tempo, se classificam em secos e doces; tintos, rosés ou brancos. Verdade que também já existiam os vários tipos de uvas e aí começa a complicar um pouco. Mas nada que não pudesse ser superado com boa vontade. Agora, para escolher um vinho o sujeito tem que saber se ele “em boca é completo, contando com taninos refinados e um final longo e persistente e desfruta de excelente potencial de guarda” ou se “é um vinho muito frutado com sabor de morangos, framboesas, leve e fresco, onde a pele da uva é estourada pela fermentação, cultivado em solo de granito e areia, cor intensa com reflexos grená e cereja, e servido tradicionalmente na garrafa lyonesa”. Imaginem a dificuldade para quem, como eu, às vezes não consegue sequer pilotar o controle remoto da televisão, nem entende porque tantos desenhos no controle do ar-condicionado. Mas vinho, sabemos todos, é uma bebida elegante que requer uma parafernália (saca-rolhas, taças, decantador…), para ser degustada. Claro que existem paladares sofisticados e treinados ao longo de muitos anos. Mas, cidadão comum como eu, não ouse tentar degustar um vinho sem um curso prévio de, no mínimo, uns quatro anos. Ah, e se quiser passar para cerveja, fique sabendo que existem 150 tipos no mundo. Cento e cinquenta! Saudade do tempo em que se escolhia Brahma ou Antártica. Na verdade, qualquer uma, desde que gelada.

Ocorre que a “elegância” e as exigências do vinho parecem ter “contaminado” outros produtos. Café, por exemplo, não se escolhe mais apenas como fraco ou forte, puro ou com adoçante. Não! Heresia! Necessário que se saiba, previamente, se o café deve ser “sombreado com notas amadeiradas de especiarias” ou “suculento com aroma de frutos”. Quem sabe “café de corpo intenso e licoroso com notas de especiarias” ou “café de colheita tardia com notas de frutas vermelhas” ou “café aprimorado pelo tempo com notas de especiarias e cacau”. E eu, ignorante, apenas querendo um café forte e quente.

Me ocorre, na reflexão sobre a “gourmetização”, que este ano temos eleições para Presidente da República, Senado Federal, governos estaduais, Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas. Não podemos eleger candidatos pelos rótulos, geralmente enganosos. Um candidato honesto, com vida limpa, comprometido com o bem comum e não com seu enriquecimento individual já é um bom começo. Se for trabalhador e preparado intelectualmente para enfrentar as complexas questões da legislatura e da administração pública, melhor ainda. Sinceramente, acredito que existam muitos candidatos assim, à esquerda e à direita. Talvez não seja fácil escolher, mas, convenhamos, bem mais simples e seguro do que optar por um vinho ou um prosaico café.