Carnaval

Publicada em 25 de fevereiro de 2022

Novo artigo de nosso sócio diretor, Dr. Olindo Barcellos da Silva, publicado no Jornal Gazeta do dia 25/02/2022

Entre o final desta semana e o início da próxima transcorre o Carnaval que, para nós brasileiros, tem um significado especial. Afinal, somos o “país do carnaval”.

Há quem veja com censura esta festa popular. Mas sempre haverá quem lance olhar de recriminação à alegria alheia. Há o dito de que “dia de muito é véspera de pouco” ou, como cantou Vinícius de Moraes, “dia de festa é véspera de muita dor”.

Não há porque olhar o carnaval desta forma. O antropólogo Roberto DaMatta, em seu livro “O que faz do Brasil, Brasil?” lembra que “Todas as sociedades alternam suas vidas entre rotinas e ritos, trabalho e festa, corpo e alma, assuntos dos homens e assuntos dos deuses, períodos ordinários – onde a vida transcorre sem alterações – e as festas, os rituais, as comemorações, os milagres e as ocasiões extraordinárias, onde tudo pode ser iluminado, visto por um novo prisma, posição, perspectiva, ângulo.”

As características peculiares do carnaval é que o tornam interessante. A “ditadura” da alegria, por exemplo, não é um componente da nossa rotina. Assim como não o são a igualdade entre os convivas.

Sobretudo, é o momento em que o negro, mulato ou branco pobre travestese de duque, barão ou príncipe, numa realeza que dura quatro dias. Não foi à toa que Joãozinho Trinta, carnavalesco que fez história proferiu a frase “pobre gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual”.

Há outra grandiosidade na festa popular que é a oportunidade, talvez única, de que os mais pobres, desempregados ou subempregados, possam mostrar sua criatividade, inventividade e talento. O samba, por exemplo, antes de ser repetido em salões, é criado em morros e subúrbios, bares pobres e escolas de samba, por músicos e poetas improváveis. Qual a probabilidade de um negro pobre, semiletrado, com um subemprego como Cartola fazer um verso como “As rosas não falam; simplesmente as rosas exalam; o perfume que roubam de ti”? Ainda que este não seja um samba carnavalesco, é o carnaval que permite o surgimento destes grandes músicos, poetas, passistas e porta-bandeiras. Foi dos morros e dos subúrbios que nasceram as grandes escolas de samba do Rio de Janeiro.

O carnaval não é apenas a quebra da rotina. A força desta festa popular é tão grande que faz o país parar mesmo na segunda e terça-feira de carnaval, que não são feriados. É a oportunidade das classes menos favorecidas sublimarem seus desejos de realeza. É esta explosão de talento em forma de alegria e engenhosidade, numa congregação de classes que não se vê durante o ano, que torna o carnaval brasileiro tão interessante.