AINDA A PANDEMIA

Publicada em 2 de março de 2021

Olindo Barcellos da Silva

Advogado – Mestre em Direito

Conta-se que, certa vez, um Rei poderoso sonhou que havia perdido todos os dentes. Chamou um vidente para interpretar o sonho e este lhe disse: “uma desgraça, Vossa Majestade assistirá à morte de todos os seus parentes”. O rei mandou matar o vidente e chamou outro, que interpretou: “uma graça para Vossa Majestade, que irá viver muito, mais do que todos os seus parentes”. Ao segundo, remunerou com ouro e jóias. A notícia era a mesma, a forma de contar é que variou, causando a morte do primeiro e a fortuna do segundo.

A história me veio à lembrança com este momento da pandemia. Desde abril do ano passado, e lá se vai quase um ano, ouvimos farta divulgação que “as próximas duas semanas são decisivas”. Mas já se vai quase um ano de “próximas duas semanas”! Neste período, fez-se, quase criminosamente, uma eleição em todos os 5.570 municípios do país, com acirradas campanhas políticas. Foram candidatos a Prefeito e a Vereador, assim como seus partidos e cabos eleitorais pedindo votos em todos os municípios.  

Os sinais emitidos pelas autoridades do país e do estado são, no mínimo, contraditórios. Ora é uma gripe, depois uma grave pandemia. Ora não se compraria a “vacina chinesa”, depois se corre desesperadamente atrás da China para comprar vacinas e insumos. No Rio Grande do Sul, há menos de um mês, estavam chegando pacientes até do Amazonas para aqui virem se tratar, dando à população a idéia de que a rede hospitalar estava atendendo com sobra os infectados pelo vírus no estado.

Até o absurdo critério de vacinar profissionais jovens e saudáveis que atuam em clínicas particulares e que nunca passaram nem perto da linha de frente do combate ao Covid, em detrimento a idosos repletos de comorbidades, assistimos.

Ora as aulas presenciais vão recomeçar e no outro momento já estão suspensas novamente. Ora a bandeira preta indica o fechamento de tudo, noutra hora surge a figura da cogestão, que não é tão rigorosa assim.

Nestes mais de dez meses, ainda faltam vacinas, leitos de UTI e profissionais para atuar em unidades de terapia intensiva. Faltam leitos, médicos, enfermeiros e atendentes. Os profissionais de saúde que atuam na linha de frente no combate ao Covid chegaram a um desumano grau de fadiga física e emocional. Mais de 10 meses não foram suficientes para criar uma estrutura que atenda de forma eficaz a população. Mas os governantes continuam dizendo que “as próximas duas semanas são fundamentais”, mantra, aliás, que só não repetiram durante a campanha eleitoral. Durante mais estas “próximas duas semanas”, que já duram quase um ano, como empresários e prestadores de serviços autônomos vão pagar como suas obrigações fiscais, trabalhistas, previdenciárias, manter os empregos que dão e ainda sustentar suas famílias? 

Neste contexto, é que nos falta o segundo vidente do primeiro parágrafo para ensinar, afinal, o que pode ser positivo na errática conduta dos nossos governantes.